Contos
O Sino Simão
Houve em tempos uma briga entre Ribafria e o Pereiro, por causa da Igreja de S. Miguel. Conta-se que um homem do Pereiro, ajudado por outros da mesma terra, roubaram o sino da Igreja. Esse homem foi apanhado pelo povo de Ribafria e conta-se que o mataram e enterraram num monte de estrume.
O sino ficou partido e, como era muito grande, o povo de Ribafria mandou derretê-lo para fazer os três que estão hoje na torre da Igreja da N.ª Sr.ª do Egypto, em Ribafria.
Textos poéticos a contar a história, datado de 1923:
MOTE
Adeus sino, adeus Simão
Tua sorte foi cruel
Nunca mais fazes tlão
Na torre de S. Miguel
I
Causa imensa pêna
o que andam a tratar
Para não te deixar tocar
Lá na tua ventena
Praticaram um cêna
Que até corta o coração
Houve um certo figurão
Que te roubou o badélo
E te queria partir a martelo
Adeus sino, adeus Simão
III
Quando foste arreado
Causou-nos imensa dôr
Se não fosse o teu valor
Não eras tão cobiçado
Devia ser castigado
Quem te roubou à traição
E te entregou à Separação
Para em leilão seres vendido
Se por acaso fôres derretido
Nunca mais fazes tlão
II
Tu era um cavalheiro
Que davas o sinal da morte
Pela tua infeliz sorte
Foste dormir a um palheiro
Hoje grita um povo inteiro
Conta o Lucio e o Manuel
Não querem que em S. Miguel
Continue a freguezia
Choras de noite e de dia
Tua sorte foi cruel
IV
Tu deixas de pertencer
Ao povo da freguezia
E será tanta a herezia
Que te hão de derreter
Depois tu irás vêr
Quem é essa gente cruel
Que te foi trocar a papel
Adeus sino, adeus sino
Que nunca mais viras o pino
Na torres de São Miguel.
MOTE
Reuniram-se os paroquianos
E abriram subscrição
Para comprar um sino
Para o lugar do sino «Simão»
I
Venha o povo do logar da Azedia
Venha o povo do Casal de Lafões
Venham todos os cidadãos
Da nossa freguezia
Venham com alegria
Venham dar os seus planos
Venham pois, mães e manos
Ao adro de S. Miguel
Para desempenhar um papel
E unir-se aos paroquianos
II
Do logar dos Sobreiros estão a dizer
Venha o logar da Silveira do Pinto
E no logar dos Caneiros sinto
Com isto grande prazer
Na azenha das Machadas está a ver
O nome, que dão
E do logar do Mato também vão
Ao domingo ou de semana
E então o povo de Palha cana
Se abrir a subscrição.
III
Venha gente do logar de Ribafria
Os que são de opinião
Se coloque outro sino «Simão»
Na tôrre da freguezia,
E dizem da Fancalhia
Para além de Bonvizinho
E no logar de Val Verde quanto o Ino
No logar da Calçada a Portuguesa
E no logar da Mata com certeza
Vem acompanhar o sino
IV
De val de Rei e Pardieiro
E convento e Casal Queimado
E dizem os do logar de Soeiro-Cunhado
Vamos juntos com os do logar do Pereiro
Acompanhar o Cavalheiro
Que vai em procissão
E os do logar de Palaios também vão
E dizem do casal do Pito Roto
Vamos lá colocar outro
No logar do sino «Simão».
Cantares
Alguns trabalhos agrícolas na freguesia eram acompanhados por cantigas ou toadas de ritmo para aliviar a dureza e monotonia das tarefas. Ao longo do tempo foram-se perdendo estas formas de expressão popular.
Canção da apanha da cereja (recolhida em Pereiro de Palhacana)
Ó ai ó linda
Viva a cereja sudal (bis)
Na ribeira de Alenquer
Ó ai ó linda
Viva também meu amor (bis)
Onde quer que ele estiver.
—
Ó ai ó linda
Eu agora vou contar (bis)
Para ver se ainda sei
Ó ai ó linda
Para ver a minha voz (bis)
Se está como eu a deixei
—
Ó ai ó linda
Não me atires com pedrinhas (bis)
Que estou a lavar a loiça
Ó ai ó linda
Atira-me com beijinhos (bis)
Coisa que o meu pai não ouça.
—
Ó ai ó linda
Já lá vai já se acabou (bis)
O tempo que te amanva
Ó ai ó linda
Tinha olhos e não via (bis)
Na cegueira que eu andava .
—
Ó ai ó linda
Os olhos são do meu amor (bis)
São dois lacinhos de fita
Ó ai ó linda
Uma ata outra desata (bis)
Não há coisa mais bonita.
—
Ó ai ó linda
Dentro da casca da noz (bis)
Fiz a cama à borboleta
Ó ai ó linda
Na vida de quem namora (bis)
Sempre há-de haver que se meta
—
Ó ai ó linda
Dentro da casca de noz (bis)
Fiz a cama ao gafanhoto
Ó ai ó linda
Na vida de quem namora (bis)
Sempre há-de haver um maroto.
—
Ó ai ó linda
A casca da noz é forte (bis)
É forte que até estala
Ó ai ó linda
Assim é meu coração (bis)
Quando contigo não fala.
Ó ai ó linda
Já chegaste já me alegras (bis)
Já esta casa está cheia
Ó ai ó linda
Parece mesmo uma aldeia.
Esta casa amor, sem ti (bis)
—
Ó ai ó linda
Não me atires com pedrinhas (bis)
à barra da minha saia
Ó ai ó linda
Minha mãe não me criou (bis)
Para gaiatos da praia.
—
Ó ai ó linda
Em cima dum tronco seco (bis)
O teu nome escrevi eu
Ó ai ó linda
Era o nome tão bonito (bis)
O tronco reverdesceu
—
Ó ai ó linda
O lugarinho do Pereiro (bis)
No meio tem um repuxo.
Ó ai ó linda
Há cá meninas bonitas (bis)
Os rapazes é um luxo
—
Ó ai ó linda
O lugarinho do Pereiro (bis)
No meio tem uma palmeira.
Ó ai ó linda
Onde os rapazes «ajuntam-se» (bis)
Quando vão p’ra brincadeira.
—
Ó ai ó linda
Quem me dera ser a hera (bis)
Pela parede subir.
Ó ai ó linda
Ia ter ao teu quarto (bis)
À tua cama dormir
—
Ó ai ó linda
Eu vou dar a despedida (bis)
Como o maio deu as flores.
Ó ai ó linda
Quem se despede a cantar (bis)
Não leva paixão de amor.
Nas festas, arraiais ou nas adegas era costume os “poetas” resitarem quadras que depois corriam de boa em boca
Contar os lugares (recolhida em Sobreiros)
I
S. Miguel está no alto
Para quem o quiser ver
Vamos contar s lugares
Que ele tem no seu poder
II
Primeiro é Soeiro Cunhado
Por ser o lugar mais perto
Mais abaixo é Palhacana
FIca a Mata no deserto
III
Voltemos para o Pereiro
Também calha a caminho
Mais abaixo é Valverde
Mais acima é Bonvizinho
IV
Voltemos para Palaios
Que é um lugar aluminado
Mais abaixo é Ribafria
Fica Sequeiros ao lado
V
Voltemos para os Sobreiros
Está no alto vê-se bem
Mais abaixo é o Mato
Fala-se em Carneiros também
VI
Voltemos para a Silveira
Fala-se em Azedia
E a Senhora dos Remédios
Que é o fim da freguesia
Quadras Soltas (recolhidas em Pereiro de Palhacana)
No lugar do Pereiro
Há uma escola velhinha
Onde eu aprendi a ler
Meus filhos e minha netinha
—
Tu andas atrás de mim
Como a pera atrás do ramo
Andas para me enganar
Contigo fica o engano.
—
A verdileza é enleio
Que se enleia no trigo
Quem me dera ser enleio
Para me enlear contigo.
Pega lá meu coração
Repara para o que eu te dou
Quem dá o seu coração
Com pouco ou nada ficou.
—
Indo eu por aqui abaixo
Como ninguém tinha amor
Encontrei uma roseira
Carregada de flor.
—
Deitei-me debaixo dela
Nem à sombra nem ao sol
Acordei pela manhã
Ao canto do rouxinol.
Em 2013 a Memória Imaterial CRL, levou a cabo um trabalho em Pereiro de Palhacana sobre a apanha da cereja, as cantigas ao desafio no cimo das cerejeiras, as histórias decoradas dos folhetos de cordel, as histórias da antiga Praça dos homens, entre muitas outras histórias. Veja aqui o video.